Tag Archives: literatura

Citação

Tenho tanto sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
 É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa

caricatura-por-almada-negreiros

París

Si tienes la suerte de haber vivido en París cuando joven, luego París te acompañará vayas donde vayas, todo el resto de tu vida.

E. Hemingway

paris

Doce veneno de uns lábios quaisquer

Senti-me desvanecer quando, no meio daquele Universo de emoções, naquele Big Bang de sensações, os teus lábios roçaram os meus – desarmados e carentes – , num beijo celeste carregado de uma imensa ternura galáctica. As tuas mãos seguravam as minhas, com força, como se estivesse prestes a desabar. Um oceâno astral pairava sobre nós enquanto os planetas conspiravam contra aquele amor lunático. Era arte. Era poesia; pura literatura veloz – aquela adição elegante da tua boca com a minha, do teu corpo contra o meu.

298717_275371592497877_718361158_n

Existia uma espécie de energia desconhecida que confabulava contra a beleza daquele quadro de Klimt, tão genuíno, tão puro, tão nosso. Algo mais forte do que nós – uma força astrológica qualquer, quem sabe a posição dos planetas -, que fosse capaz de por em causa a eternidade daquele momento.

Um beijo é, normalmente, uma exaltação de emoções, um deitar cá para fora – exteriorizar aquilo que nos vai na alma – o que sentimos pelo outro. Mas há beijos e beijos: doces, amargos, selvagens, mortais, frios, quentes, arrogantes e…chega de adjetivos inúteis para classificar um beijo porque é algo subjetivo; cada um sente o roçar de lábios à sua maneira e aquele (que roubei ao meu vizinho) fora a coisa mais romântica e, ao mesmo tempo, nojenta que já sentira. Aquele hálito matinal de boca em jejum misturado com o sabor a cárie, em estado avançado, provocava-me algum desconforto – embora achasse, estupidamente, romântico que sua língua explorasse (sem qualquer pudor ou complexo) os espaços abertos que tinha dentro da boca, pela falta de dentes.

199061_191717447529959_6166465_n

Fora impulso animal, aquele beijo que ela – corajosa e determinada – lhe espetara, ali, no meio daquela praça cheia de gente; repleta de olhares, por vezes críticos, por vezes curiosos. Nunca pensara que pudesse ter coragem para fazer tal coisa. Estava apaixonada e isso via-se à légua, nos seus olhos – verde azeitona, transparentes de sentimento, repletos de amor. Sentia um formigueiro da cabeça aos pés, borboletas no estômago, cavalos a galoparem a toda a velocidade e a quererem sair-lhe pelo peito fora. Não sabia o que fazer. Limitava-se, simplesmente, a sentir um grande amor pelo homem que tinha diante dela – de espírito jovem mas 25 anos mais velho.

299164_236853869682983_7502653_n

Um autêntico fruto proibido, uma droga altamente viciante, um tabu na sociedade em que habitamos, o veneno de um pecado mortal- aqueles lábios que ousavam deliciar-se com os dela, num crime perfeito, numa morte lenta e silenciosa. A paixão era ardente; o sangue: idêntico. Crescera com ele, na mesma casa, no mesmo leito. Vivia aquele amor em segredo. Era impensável sentir um grande amor pelo homem que tinha diante dela: o seu irmão. Até que as barreiras que jamais podem ser ultrapassadas assim o foram e, de um mero beijo – impulso animal fruto de uma paixão inexplicável -, aquilo que parecera inocente foi chamado: incesto.

Conversas de loucos

Eu:E se morresses amanhã?

Helena:A minha, insignificante e fútil, existência acabava. Ficaria apenas na memória de quem me quisesse lembrar, aquilo que fui e no que me converti. Nada mais. O meu propósito social teria, nesse instante, acabado.

Eu: Ah! Propósito social pré-estabelecido e imposto por uma sociedade viciada, intoxicada e envenenada por aqueles que governam? Não te iludas tanto.

Helena: Eu sei…às vezes só queria ser aceite.

12310604_994926013879124_6425731525406669286_n

O termómetro batia os quarenta graus, embora a sensação térmica fosse relativamente maior, num calor húmido e sufocante, que se ia entranhando nos pulmões a cada inspiração, deixando-as empapadas no seu próprio suor, pegajoso e incomodativo. O cheiro intenso a cloro – fazia lembrar a infância – misturado com o fumo das ganzas, e de todo o tipo de estupefacientes possíveis e inimagináveis, criava uma atmosfera parecida aquela de Marbella ou Palma de Mallorca, com a particularidade de vir acompanhado com muito rock and rol (em vez de reggeaton) e sexo.

Era preferível ficar ali, à torreira do sol, estendidas, do que dar um bom mergulho refrescante, já que o pequeno trajecto da toalha à piscina, podia provocar algumas queimaduras em segundo grau – de tão escaldante que estava aquele chão. Ou então, a alternativa era ir aos saltinhos – como aqueles adultos, autênticas personagens, que mais pareciam adolescentes em viagem de finalistas – e correr o risco de escorregar, pelo piso molhado ou pelo elevado nível de álcool no sangue.

557556_427145890653779_236250039_n

Aquele era, sem dúvida, o melhor espaço para realizar um estudo antropológico e sociológico. Desde modelos bulímicas – esqueletos ambulantes a passearem e exibirem os seus não-corpos graciosos e anímicos em biquíni -, escritores e poetas à procura do seu lugar no mundo, tatuadores cheios de arte da cabeça aos pés, atletas vigorexicos em forma de bonecos insufláveis e elas: a Susana e uma louca.

Eu: Conformas-te com pouco! E os sonhos? Onde os deixas?

Helena: Em Hollywood.

Eu: Ena pá, queres aparecer no grande ecrã? Mas sabes que isso é contraditório, não sabes? Viver no mundo dos capitalistas, à grande e à francesa: la vida loca!!

Helena: Sinto um ligeiro tom irónico da tua parte. Estás a gozar comigo, joder?!

Eu: O que acharia o teu Deus disso?

Helena: Me cago en Dios y en su…MADRE ! Queres provocar-me, é isso, sua besta?

553493_580755548626145_2000593422_n

Era a puta da anarquia: um fotograma digno de um filme de Buñuel. Susana sabia que aquilo podia descambar ainda mais, a qualquer instante, mas queria manter a calma, fazer de conta que dentro da anormalidade da situação, elas eram as mais reais. Manter os pés na terra para não dar hipótese a atitudes desmedidas, loucuras descabidas, sobretudo da sua amiga louca que estava prestes a mergulhar.

Joder, joder, joder!!
Helena, o que é que tu estás a fazer? Pensa bem na tua vida, tão solitária, calma, sossegada e frustrada. Não, frustrada não! Solitária, pode ser? Não! Inútil, sim, sem valor. Mata-te, agora, sua triste!
Oh, meu deus, é melhor não, tenho tanto medo…espera…eu disse “Deus”? Isto realmente, quando estamos prestes a dar de caras com a morte, é uma puta de uma contradição que não há crenças ou descrenças que nos valham, mas isso agora não interessa nada. Talvez assim seja aceite, de uma vez por todas, pelo movimento e me chamem, finalmente, camarada. Mas é melhor não, porque se morreres acabou-se a pêra doce, acabou-se Hollywood e a tua futura carreira. Não podes correr esse risco e por tudo em causa! Manda-os à merda – a esses pseudo-intelectuais, marxistas-leninistas, de um raio.
Um, dois e…
Não vais conseguir fazer isto pois não, sua idiota? Não vales de nada, nem aqui, nem em lado nenhum. Esquece essa merda toda e salta! Mata-te para aí, ninguém vai dar por ti, nem sentir a tua falta. Me cago en la hostia! Só estão a gozar com a tua cara, não precisam de ti no movimento, és tão fraca de cabeça que nem isso entendes, sua burra! Pára, por favor! Deixa-me em paz! Vai-te embora! Eu não quero saltar, eu não vou saltar…

Eu: Helena, acalma-te. Estás a tremer e a ficar outra vez descontrolada. Achas mesmo que vale a pena ficar assim pelas ideias do movimento?

Helena: Foi só um desejo, uma estúpida ideia minha, que partilhei contigo, da boca para fora. Pára, por favor, não me julgues, não contes a ninguém o que eu disse…

Eu:Levanta-te do chão, vá. És uma pessoa doente…

Helena: O que é que disseste?!

11213_500932083275159_1717170575_n

Las mujeres hermosas por Vargas Llosa

Mario Vargas Llosa. Premio Nobel de Literatura 2010 

Chile, in my first journey around the world. Now I travel in China, with The Atlas of Beauty. 

Todas las flores del desierto están cerca de la luz.

Todas las mujeres bellas son las que yo he visto, las que andan por la calle con abrigos largos y minifaldas, las que huelen a limpio y sonríen cuando las miran. Sin medidas perfectas, sin tacones de vértigo. Las mujeres más bellas esperan el autobús de mi barrio o se compran bolsos en tiendas de saldo. Se pintan los ojos como les gusta y los labios de carmín de chino.


Las flores del desierto son las mujeres que tienen sonrisas en los ojos, que te acarician las manos cuando estás triste, que pierden las llaves al fondo del abrigo, las que cenan pizza en grupos de amigos y lloran sólo con unos pocos, las que se lavan el pelo y lo secan al viento.


Las bellezas reales son las que toman cerveza y no miden cuántas patatas han comido, las que se sientan en bancos del parque con bolsas de pipas, las que acarician con ternura a los perros que se acercan a olerlas. Las preciosas damas de chándal de domingo. Las que huelen a mora y a caramelos de regaliz.

Las mujeres hermosas no salen en revistas, las ojean en el médico, y esperan al novio, ilusionadas, con vestidos de fresas. Y se ríen libres de los chistes de la tele, y se tragan el fútbol a cambio de un beso.

Las mujeres normales derrochan belleza, no glamour, desgastan las sonrisas mirando a los ojos, y cruzan las piernas y arquean la espalda. Salen en las fotos rodeadas de gente sin retoques, riéndose a carcajadas, abrazando a los suyos con la felicidad embotellada de los grandes grupos.

Las mujeres normales son las auténticas bellezas, sin gomas ni lápices. Las flores del desierto son las que están a tu lado. Las que te aman y las que amamos. Sólo hay que saber mirar más allá del tipazo, de los ojazos, de las piernas torneadas, de los pechos de vértigo. Efímeros adornos, vestigios del tiempo, enemigos de la forma y enemigos del alma. Vértigo de divas y llanto de princesas.

La verdadera belleza está en las arrugas de la felicidad…

Photos taken from The Atlas of Beauty, a project of  Michaela Noroc.

(http://theatlasofbeauty.com/about)