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Conversas de loucos

Eu:E se morresses amanhã?

Helena:A minha, insignificante e fútil, existência acabava. Ficaria apenas na memória de quem me quisesse lembrar, aquilo que fui e no que me converti. Nada mais. O meu propósito social teria, nesse instante, acabado.

Eu: Ah! Propósito social pré-estabelecido e imposto por uma sociedade viciada, intoxicada e envenenada por aqueles que governam? Não te iludas tanto.

Helena: Eu sei…às vezes só queria ser aceite.

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O termómetro batia os quarenta graus, embora a sensação térmica fosse relativamente maior, num calor húmido e sufocante, que se ia entranhando nos pulmões a cada inspiração, deixando-as empapadas no seu próprio suor, pegajoso e incomodativo. O cheiro intenso a cloro – fazia lembrar a infância – misturado com o fumo das ganzas, e de todo o tipo de estupefacientes possíveis e inimagináveis, criava uma atmosfera parecida aquela de Marbella ou Palma de Mallorca, com a particularidade de vir acompanhado com muito rock and rol (em vez de reggeaton) e sexo.

Era preferível ficar ali, à torreira do sol, estendidas, do que dar um bom mergulho refrescante, já que o pequeno trajecto da toalha à piscina, podia provocar algumas queimaduras em segundo grau – de tão escaldante que estava aquele chão. Ou então, a alternativa era ir aos saltinhos – como aqueles adultos, autênticas personagens, que mais pareciam adolescentes em viagem de finalistas – e correr o risco de escorregar, pelo piso molhado ou pelo elevado nível de álcool no sangue.

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Aquele era, sem dúvida, o melhor espaço para realizar um estudo antropológico e sociológico. Desde modelos bulímicas – esqueletos ambulantes a passearem e exibirem os seus não-corpos graciosos e anímicos em biquíni -, escritores e poetas à procura do seu lugar no mundo, tatuadores cheios de arte da cabeça aos pés, atletas vigorexicos em forma de bonecos insufláveis e elas: a Susana e uma louca.

Eu: Conformas-te com pouco! E os sonhos? Onde os deixas?

Helena: Em Hollywood.

Eu: Ena pá, queres aparecer no grande ecrã? Mas sabes que isso é contraditório, não sabes? Viver no mundo dos capitalistas, à grande e à francesa: la vida loca!!

Helena: Sinto um ligeiro tom irónico da tua parte. Estás a gozar comigo, joder?!

Eu: O que acharia o teu Deus disso?

Helena: Me cago en Dios y en su…MADRE ! Queres provocar-me, é isso, sua besta?

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Era a puta da anarquia: um fotograma digno de um filme de Buñuel. Susana sabia que aquilo podia descambar ainda mais, a qualquer instante, mas queria manter a calma, fazer de conta que dentro da anormalidade da situação, elas eram as mais reais. Manter os pés na terra para não dar hipótese a atitudes desmedidas, loucuras descabidas, sobretudo da sua amiga louca que estava prestes a mergulhar.

Joder, joder, joder!!
Helena, o que é que tu estás a fazer? Pensa bem na tua vida, tão solitária, calma, sossegada e frustrada. Não, frustrada não! Solitária, pode ser? Não! Inútil, sim, sem valor. Mata-te, agora, sua triste!
Oh, meu deus, é melhor não, tenho tanto medo…espera…eu disse “Deus”? Isto realmente, quando estamos prestes a dar de caras com a morte, é uma puta de uma contradição que não há crenças ou descrenças que nos valham, mas isso agora não interessa nada. Talvez assim seja aceite, de uma vez por todas, pelo movimento e me chamem, finalmente, camarada. Mas é melhor não, porque se morreres acabou-se a pêra doce, acabou-se Hollywood e a tua futura carreira. Não podes correr esse risco e por tudo em causa! Manda-os à merda – a esses pseudo-intelectuais, marxistas-leninistas, de um raio.
Um, dois e…
Não vais conseguir fazer isto pois não, sua idiota? Não vales de nada, nem aqui, nem em lado nenhum. Esquece essa merda toda e salta! Mata-te para aí, ninguém vai dar por ti, nem sentir a tua falta. Me cago en la hostia! Só estão a gozar com a tua cara, não precisam de ti no movimento, és tão fraca de cabeça que nem isso entendes, sua burra! Pára, por favor! Deixa-me em paz! Vai-te embora! Eu não quero saltar, eu não vou saltar…

Eu: Helena, acalma-te. Estás a tremer e a ficar outra vez descontrolada. Achas mesmo que vale a pena ficar assim pelas ideias do movimento?

Helena: Foi só um desejo, uma estúpida ideia minha, que partilhei contigo, da boca para fora. Pára, por favor, não me julgues, não contes a ninguém o que eu disse…

Eu:Levanta-te do chão, vá. És uma pessoa doente…

Helena: O que é que disseste?!

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